SECRETÁRIO DO AUDIOVISUAL IRONIZA: “JÀ IMAGINARAM TIM BURTON COLOCANDO PROJETO EM EDITAL?”

Teve início na noite de ontem (12), em Porto Alegre, o 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual, com a presença de mais de 80 entidades das mais importantes do setor, representando nada menos que a totalidade dos estados brasileiros.

Diferente do tom solene e muitas vezes esvaziado de boa parte das solenidades oficiais de eventos formais, a abertura do 8o. CBC foi animada e repleta de ideias instigantes.
Cícero Aragon, Presidente da Fundacine, lembrou que nos últimos dez anos os hábitos mudaram de uma forma geral, mas que no segmento audiovisual estas mudanças foram ainda mais radicais: “O mundo não se contenta mais em assistir. Ele quer interagir e participar. Para suprir esta demanda precisamos ser mais competitivos, agilizar os processos e diminuir a burocracia”. Aragon enfatizou também a importância das discussões e debates que o Congresso fomentará nos próximos dias, dizendo: “A partir de agora, estamos em Conclave. E esta agora é a nossa Capela Sistina”.

Em seguida, o sempre poético Rosemberg Cariry, Presidente do CBC, encantou a plateia com sua característica habilidade oral para ilustrar as relações entre a atividade audiovisual e o mercado: “Os mestres budistas costumavam dizer que uma coisa é o dedo que aponta a lua e outra coisa é a lua. Sábios eram estes homens. É preciso não confundir o dedo com a lua, nem se iludir com a abstração da lua. Muitas vezes, confundimos o nosso cinema que aponta o mundo com o mundo, da mesma forma que os pequenos macacos muitas vezes se afogam tentando apanhar a miragem da lua refletida na água de um lago. Confundir cinema com mercado é confundir o dedo com a lua. O mercado pode ser importante, muito importante, mas o mercado não é o cinema. Fazer obras tendo como parâmetro exclusivo apenas o possível gosto de um mercado imaginado, em sua abstração conservadora, é se afogar tentando apanhar a miragem da lua refletida na água. O mercado não pode ser um fim em si mesmo, antes deve ser um meio para a realização do homem, da mesma forma que o dedo é um meio que aponta a beleza da lua”. Foi aplaudido em cena aberta.

E prosseguiu: “Desculpem-me, senhoras e senhores, mas me parece que o povo novo do cinema é exigente, quer muito mais do que o mercado. O povo novo do cinema quer o cinema como pedra filosofal, o ouro como energia espiritual concentrada, da qual falavam os alquimistas em seus sonhos experimentais. Para quem ainda não sabe, me arrisco a avisar: os alquimistas estão chegando, são artífices de todas as tecnologias e convergências digitais, têm entre quinze e trinta anos de idade: são brancos da classe média, são índios da periferia, são negros quilombolas nas favelas das metrópoles, são mulatos rebelados nos shoppings centers, são loiros dos sertões gerais, são caboclos das florestas, são sararás dos terreiros de macumba do planalto central.Um Brasil que se reinventa em cores e sonhos, em novas belezas e impossibilidades tornadas possíveis. O que aqui se reúne é uma nação diversa e unida, nestes tempos de pós-modernidades, em que o centro está em todos os lugares onde estão os homens e as mulheres em seus processos criativos. Temos que reconhecer: só o sonho é real. Sejamos realistas, vamos restituir o sonho ao cinema brasileiro”.

Ao final de sua explanação, Rosemberg Cariry foi aplaudido de pé.

Já Newton Cannito, Secretário do Audiovisual, foi coloquial, claro, direto e irônico como costuma: “a gente entrou numa sinuca de bico porque agora temos que fazer muito mais do que conseguimos”. Canitto afirmou que o audiovisual brasileiro necessita urgentemente pensar num sistema melhor que os editais: “Hoje a burocracia é tamanha que o cinema brasileiro financia a indústria de fotocópias”, ironizou. “Hoje obrigamos todos os produtores a serem políticos, o que não é normal. Já imaginaram o Tim Burton colocando projeto em edital? E obrigamos também todos os cineastas a serem produtores, o que também não é normal. Não estamos valorizando os criadores, mas apenas valorizando quem consegue produzir. O cineasta tem que pensar em arte, não em inscrever filme em edital”, afirma.

Encerrando a noite, o Ministro da Cultura, Juca Ferreira ressaltou que “mercado não é só mercadão. A quitanda da esquina também é mercado”, e propõs um “armistício entre o cinema artístico e o cinema comercial, pois o Brasil vive um momento de possibilidades imensas. O Brasil precisa se ver nas telas. Todas!”.
Concluindo, Juca Ferreira afirmou que “é preciso que o cinema deixe de ser visto como uma complementação de uma visita ao shopping center”. E que “a demanda futura será tamanha que tudo o que está sendo feito ainda é pouco”.

O 8o. CBC prossegue hoje (13) com debates, paineis e mesas de trabalho sobre a atividade brasileira do audiovisual em seu sentido mais amplo.

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