18o.CINE CEARÁ COMEÇA QUENTE: AR CONDICIONADO DO CINEMA NÃO FUNCIONA

Problemas de som, de projeção, de foco, de ar condicionado, e três bons longa-metragens foram os destaques dos dois primeiros dias do 18º. Cine Ceará, Festival Ibero Americano de Cinema, que se realiza na cidade de Fortaleza até o próximo dia 17.

Apesar de estar completando sua “maioridade”, o 18º. Cine Ceará continua com seu crônico problema de som: é difícil, muito difícil, entender os diálogos dos filmes brasileiros exibidos no cinqüentenário Cine São Luiz, local onde é exibida a mostra competitiva. Reynaldo Pinheiro, diretor do competidor brasileiro “Nossa Vida Não Cabe num Opala”, afirmou que “apesar de conhecer meus filmes de cor, eu mesmo tive de recorrer às legendas em espanhol para entender o que estava sendo dito”.

José Luiz, engenheiro e proprietário da AllTech, empresa responsável pela projeção, se defende alegando que a sala não tem as condições acústicas necessárias. “O cinema é muito bonito, artisticamente, mas é muito antigo, e foi construído numa época em que a preocupação com a acústica ainda era muito rudimentar. As aparelhagens modernas não conseguem corrigir este problema”, afirma.

A situação piorou no segundo dia da Mostra, como filme espanhol “Vete de Mi” sendo exibido completamente sem foco, do primeiro ao último fotograma. Buster Franco, montador do filme, disse que após cinco minutos de projeção, quando percebeu que o problema não seria resolvido, saiu de sua poltrona e tentou entrar com contato com alguém do Festival. Sem sucesso. “Ninguém entendia o que eu estava querendo dizer”, disparou Franco num espanhol rápido.

Some-se a isso a baixa potência do ar condicionado do Cine São Luiz, incapaz de amenizar a temperatura do lugar. Vale dizer que, felizmente, Fortaleza está há dois dias debaixo de uma insistente chuva, e não vive seus dias mais quentes.
Quanto aos filmes propriamente ditos – principal motivo de ser de um Festival de Cinema – a qualidade tem agradado. O primeiro a ser exibido na mostra competitiva foi “Nossa Vida Não Cabe num Opala”9foto), do diretor Reynaldo Pinheiro, a partir da peça teatral “Nossa Vida Não Vale um Chevrolet”, de Mário Bortoloto. O nome do filme teve de ser alterado, em relação ao da peça, por pressão da General Motors, dona da marca Chevrolet, que achou o roteiro “desesperançoso”.

A trama fala de quatro irmãos que entram em conflito após a morte do pai (Pauio César Pereio), um ladrão de carros que deixa para os filhos o que o cineasta classifica de “uma herança maldita”. A herança do desentendimento, da desagregação familiar, da marginalidade. Denso e pesado, o filme traz marcantes interpretações de Leonardo Medeiros e Maria Manoella, e deve estrear no circuito brasileiro no próximo semestre.

Ontem (11), segundo dia de competição, foram exibidos mais dois longas. A co-produção chileno/americana “Circunstâncias Especiais”, de Marianne Teleki e Hector Salgado, e o espanhol “Vete de Mi”, de Victor García León.
“Circunstâncias Especiais” é um documentário que mostra a saga de Hector Salgado (ele próprio um dos diretores do filme) em tentar encontrar os responsáveis pela sua prisão, tortura e exílio durante a ditadura militar de Pinochet, nos anos 70. Hector tinha apenas 16 anos quando foi acusado de terrorismo, preso pelos militares, e exilado de seu país por mais de uma década. Atualmente morando nos EUA, ele passou a utilizar uma câmera para “perseguir” seus algozes em busca de explicações e – se possível – alguma justiça por tudo o que aconteceu. O filme demorou seis anos para ficar pronto, e é um verdadeiro exorcismo cinematográfico dos fantasmas vividos pelo seu diretor.
Marianne Teleki, que além de co-diretora do filme é esposa de Hector, afirmou que todo o processo de produção e filmagem foi tão exaustivo, emocionalmente, que “é quase um milagre que nós ainda estejamos juntos”, disse com uma ponta de ironia.

Já o espanhol “Vete de Mi”, do jovem diretor (32 anos) Vitor García León, mostra outro tipo de estresse: o de um pai que de repente se vê obrigado a hospedar o filho de 30 anos em seu pequeno apartamento. O problema é que o filho – para o desespero do pai – não estuda, não trabalha, só pensa em mulheres e videogames, e não tem a mínima intenção de mudar de vida. A situação das mais recorrentes em toda a Europa. Segundo Buster Franco, montador do filme, “com os preços em alta, cada vez mais os filhos esticam o tempo de permanência na casa dos pais, até o momento em que eles mesmos se tornam pais”.
“Vete de Mi” (cuja tradução livre seria Sai de Mim) é um drama familiar agridoce que mistura momentos de tensão e comicidade. Ele foi dirigido com muita liberdade por León, que passava para o seu elenco algumas poucas páginas de roteiro, e deixava seus atores o mais à vontade possível para criar e improvisar. O resultado agradou à comunidade cinematográfica, que deu ao filme vários prêmios e indicações internacionais, mas seu resultado nas bilheterias foi aquém do esperado. Ironicamente, Franco afirmou aqui em Fortaleza que “na Espanha, as poucas pessoas que viram, gostaram”.