WOODY ALLEN REVISITA A CULPA EM “O SONHO DE CASSANDRA”

Morte. Medo. Culpa. Traição. Em “O Sonho de Cassandra” novamente Woody Allen revisita alguns dos temas que ajudaram a fazer o sucesso de sua brilhante carreira. São assuntos que o cineasta já havia – em diferentes graus – abordado em “Crimes e Pecados”, “Misterioso Assassinato em Manhattan”, “Hannah e Suas Irmãs” e ”Match Point”, para citar alguns exemplos. Ele estaria então se tornando repetitivo? Nada disso. Aos 72 anos, Allen ainda mostra uma incrível capacidade de se renovar e de reinventar seu cinema a cada filme. Nesta sua terceira produção européia (depois de “Match Point” e “Scoop”) ele investiga a culpa com profundidade e dor, ao mostrar a história de uma família que se destrói justamente por causa de uma situação de lealdade familiar.

Tudo acontece em Londres, onde os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) vivem uma vida de falsas aparências. Ian usa belas roupas, carros emprestados e muito de seu charme britânico para ocultar uma situação financeira periclitante. Enquanto Terry tem a capacidade de ganhar fortunas em jogos de azar, para perdê-las, em dobro, logo em seguida. É nesta situação de total instabilidade que surge o tio Howard (Tom Wilkinson), o herói da família, o único que deu certo e ficou milionário trabalhando nos EUA (mais precisamente na Califórnia, berço do cinema comercial que Allen tanto satirizou em “Dirigindo no Escuro”). A presença do querido milionário vindo da América como um pródigo Tio Patinhas poderia ser a solução de todos os problemas dos sobrinhos. Mas é exatamente aí que as maiores tragédias começam a se desenhar. Vale lembrar: na Mitologia, Cassandra é a portadora de más notícias.

Igual a “Match Point” e diferente de “Scoop”, Allen segue a linha da sobriedade narrativa e aposta na investigação dos limites humanos. Quem prefere o cineasta satírico e divertido das grandes comédias talvez torça o nariz para “O Sonho de Cassandra”. Mas quem admira o Woody Allen compenetrado e bom contador de histórias tensas certamente sairá do cinema gratificado. E tenso, como nos grandes suspenses britânicos.
Os ares europeus têm feito bem a Woody Allen.