“OS REIS DA RUA” E O COERENTE FASCISMO DOS EUA

Mais uma vez, o cinema prova ser um dos melhores espelhos para retratar a realidade de cada época. Este ano de 2008, por exemplo, o último da lamentável Era Bush Filho, já tem na tela grande um forte representante da ideologia fascista que se instalou nos EUA, principalmente depois de 11 de setembro: “Os Reis da Rua”.

O tema está longe de ser uma novidade: a corrupção policial. Mas raramente se vê um filme tão a favor a ela. O “herói” da história é o policial Tom Ludlow (Keanu Reeves, novamente fazendo o papel de Keanu Reeves, que ele interpreta tão bem), verdadeira máquina de matar que não dá a menor importância para a ética profissional, desde que consiga obedecer aos mandamentos de seu chefe, o capitão Jack Wander (Forest Whitaker), a quem serve fielmente.
Logo nos primeiros minutos do filme vemos Tom saindo de sua casa (devidamente enfeitada com a bandeira norte-americana, é claro) para realizar mais um serviço sujo ordenado pelo patrão. A idéia é executar um punhado de coreanos malvados e resgatar duas crianças de um seqüestro. Assim como 007, Tom também tem a sua permissão para matar, mesmo porque caso qualquer coisa dê errado, Jack Wander estará sempre por perto, para limpar sua barra. A chantagem emocional com o público é rápida, rasa e imediata: “claro” que vale a pena encher aqueles coreanos horrorosos de balas, se for para tirar duas crianças do cativeiro. Está estabelecido o link de empatia com o herói.

A partir daí, o diretor David Ayer (que também escreveu “Dia de Treinamento”, “Velozes e Furiosos” e “SWAT”, entre outros) desenvolve mais uma daquelas histórias de policiais corruptos e de corregedoria que já vimos dezenas de vezes no cinema. Corporativismo, traições, chantagens, bons tiroteios, ação comercial, perseguições, nada de especial. Com direito até à velha ladainha do sujeito que é violento porque carrega o trauma de um passado trágico com a esposa. Em determinado momento, Tom chega a afirmar: “A Polícia pode tudo”.
Roteirizado a partir do argumento de James Ellroy (o mesmo autor de “Dalia Negra” e “Los Angeles – Cidade Proibida”), “Os Reis da Rua” passaria batido, esquecido no limbo da mesmice, não fosse por um detalhe ideologicamente importante: o “herói” que se mostra fascista durante toda a projeção, que defende a justiça pelas próprias mãos, é colocado, sim, como o exemplo a ser seguido. Contrariamente a outros trabalhos do gênero, “Os Reis da Rua” faz a apologia do desrespeito à lei e à ética, do revanchismo e, conseqüentemente, da invasão daquilo que deve ser invadido. Seja o esconderijo dos bandidos, ou o Iraque, tanto faz, já que “A Polícia pode tudo”.

Revoltante? Execrável? Sem dúvida. Mas perfeitamente coerente com o país e com a época onde o filme foi produzido.