“O MENSAGEIRO”, PORQUE EXPOR A BARBÁRIE NUNCA É DEMAIS.

Por Celso Sabadin.
Antes da desastrosa guinada para a direita que nosso país vivenciou há poucos anos (e que de certa forma continua vivenciando), não era raro que algumas pessoas mais desavisadas questionassem sobre a necessidade de “ainda” continuarmos produzindo filmes sobre a ditadura de 1964.
Afinal, era tudo passado. Ou não?
Os acontecimentos de 2018 para a frente provaram que toda e qualquer informação sobre aqueles terríveis anos de chumbo é – mais que bem-vinda – necessária. A ditadura está viva e atuante dentro de uma significativa parcela da população brasileira, e extirpá-la é um dever humano.
Neste sentido, é bem-vinda – e necessária – a estreia de “O Mensageiro”, que entra em cartaz nos cinemas brasileiros neste 15 de agosto, após fazer sua première mundial no Festival de Lima e passar pela 47ª Mostra de Cinema São Paulo e pelo Festival do Rio.
O roteiro de Tunico Amancio e da própria diretora do filme, Lúcia Murat, ambienta a trama em 1969, momento em que a jovem Vera (Valentina Herszage) sofre torturas nos porões da ditadura, acusada de subversão.
Seus pais de classe média (interpretados por Georgette Fadel e Floriano Peixoto) tentam de tudo para tirar Vera da cadeia, empreitada que se torna mais difícil na medida em que – oficialmente – não há registros de sua prisão.
Neste contexto de desespero, o soldado Armando (Shi Menegat), um dos jovens militares em serviço no presídio, contra todos os procedimentos da ditadura, se oferece para intermediar informações entre Vera e sua mãe, arriscando sua carreira e tornando-se o “mensageiro” do título do filme.
 “O Mensageiro” aborda um interessante viés do período, nem sempre enfocado em produções deste tema: a posição da classe média dominante diante da barbárie. Sagazmente, o filme pinta os pais de Vera com cores de covardia, o que é bem acurado para representar a questão.
Sim, a mãe é uma lutadora, como todas as mães são lutadoras em relação aos seus filhos, mas nada nela indica uma posição política diante do caso, deixando claro que se trata de uma postura individual maternal, distante de qualquer posição social. Ela inclusive recorre a parentes e conhecidos militares – acendendo uma vela para deus e oura para o diabo – em busca da liberdade da filha.
Ao pai só falta culpar a própria filha pela prisão, adotando uma posição acovardada e egoísta que não raramente parece aprovar as ações dos militares, mesmo tendo uma vítima dentro da própria família.
“O Mensageiro” mostra a classe média dominante fazendo o que ela faz de melhor: lutando apenas pelos seus próprios interesses de classe média dominante. Desta forma, o filme escancara também o lado civil conservador daquela ditadura que, erroneamente, convencionou-se chamar apenas de militar.
Sim, é mais um filme sobre a ditadura. E que venham muitos mais.