“O ESTRANHO”, COERENTE COM SEU TÍTULO.

Por Celso Sabadin.

Cada vez menos se justifica dividir a produção audiovisual em ficção e documentário. Conforme já disseram antigamente, o cinema é “a verdade a 24 fotogramas por segundo”… ou “a mentira a 24 fotogramas por segundo”. Isso na época em que existia fotograma.

Estreando nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 20/06, “O Estranho” chega para comprovar ainda mais a irrelevância de tal divisão.

Tudo acontece no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e nos seus arredores. A imensa e sofisticada construção contrasta frontalmente com a simplicidade do grupo de personagens que conduzirão a trama.

Alê (Larissa Siqueira), Antonia (Antonia Franco), Jorge (Rômulo Braga), Silvia (Patricia Saravy), Hélder (Thiago Calixto) e Laysa (Laysa Costa) transitam na tênue linha que costura (ou separa) o coleguismo profissional e a amizade. Manipulam bagagens, trocam confidências, divertem-se nas lojas com os produtos importados que jamais conseguirão comprar.

É neste contexto de interpretações despojadamente naturalistas que remetem ao gênero documental que o longa mergulha em uma questão pouco ou nada explorada pelo audiovisual e até mesmo pelo jornalista: o aeroporto, invasor, foi construído sobre um amplo território indígena, bloqueando caminhos e rios.

Val se incomoda com o fato, e sua ancestralidade indígena a levará por uma busca por respostas contemporâneas a esta questão milenar.

De repente – e isso não é spoiler – “O Estranho” abandona suas ferramentas de narrativa ficcional e assume totalmente o documental, registrando a existência e os hábitos de uma reserva indígena nas proximidades. Estranho? Muito. Mas, por outro lado… por que não?

O resultado é, antes de mais nada, ricamente esclarecedor.

Os diretores e roteiristas Flora Dias e Juruna definem o processo de “O Estranho” como uma total imersão no território de Guarulhos. “Pesquisa, preparação e filmagem nos levaram a perceber sua realidade como algo essencialmente heterogêneo e múltiplo. Quanto mais orientamos nosso olhar (e câmera) para os espaços e para as rotinas diárias dos trabalhadores do aeroporto, mais essa realidade se tornou rica e surpreendente. Ao lado do aeroporto encontramos bairros urbanos populosos, mas também comunidades rurais, sítios arqueológicos escondidos, e povos indígenas em processo de retomada”.

Após ser premiado como Melhor Filme no Queer Lisboa (Portugal) e no Festival Internacional de Direitos Humanos de Nuremberg (Alemanha), “O Estranho” chega agora aos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Salvador, Goiânia, Aracajú, Balneário Camboriú, Palmas, Poços de Caldas e Porto Alegre.