“MADELEINE À PARIS” LAVA ESCADAS E ALMAS.  

Por Celso Sabadin. 

Num momento em que as fronteiras internacionais se tornam cada vez mais rígidas e intolerantes, com governantes mundiais destilando suas imbecilidades falando de cercas e muros, não deixa de ser um alento assistir a “Madeleine à Paris”, que estreia em cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 06/02.  

O longa documenta a trajetória de Roberto Chaves, baiano de Santo Amaro da Purificação – berço icônico também de Caetano e Bethânia – que há mais de 30 anos vive na capital francesa trabalhando no mundo dos espetáculos noturnos. 

Sua atuação como ator performático e produtor, ainda que atrativa e das mais interessantes, não é, porém, o cerne do documentário. Para além de sua atividade artística, Chaves (ou Robertinho, como é conhecido) é também uma espécie de embaixador informal da cultura afrobrasileira em Paris, na medida em que há décadas capitaneia uma improvável e surpreendente lavagem das escadarias da Igreja de Madeleine, em plena capital francesa.  

O choque e a riqueza culturais do ato são impressionantes. A bela e imponente construção em estilo Neoclássico do século 18, nas proximidades da histórica Praça da Concórdia, pelo menos uma vez por ano recebe as águas, as vassouras, os cheiros, as baianas e os orixás deste simbólico a ancestral ato da lavagem.  

Como não poderia deixar de ser, muitos eurocêntricos (da própria Europa e também do Brasil) protestaram e protestam contra tamanho sincretismo. O próprio padre de Madeleine, em sua visão colonialista, afirma no documentário que acha tudo muito bonito, mas, para ele, trata-se de uma manifestação muito mais folclórica que religiosa.  

No decorrer dos anos, os cultos afro dentro da igreja foram proibidos, tendo atualmente de se restringir apenas às escadas externas. Mas Robertinho e seu grupo resistem e – enfrentando correntes reacionárias – fazem o possível e o impossível para manter vivo este pedaço de Brasil/África nesta Europa que cada vez mais tomba para a direita.  

Com roteiro e direção de Liliane Mutti, “Madeleine à Paris” é uma verdadeira e necessária comemoração da diversidade, do sincretismo religioso, e da resistência.  O filme estreia em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte.