“HOMEM DE FERRO” É CINEMÃO COMERCIAL MAS NÃO É BOBO

Baseado em super herói de HQ, sim. Repleto de ação e efeitos especiais, com certeza. Barulhento, sem dúvida. Mas a boa notícia é que “Homem de Ferro” não subestima a inteligência do público. Divertido, bem humorado e com ótimas interpretações, o filme tem tudo para se transformar em (mais uma) franquia de sucesso produzida a partir de uma criação do veteraníssimo Stan Lee.
Aos 85 anos, Lee, que já era uma lenda viva dos quadrinhos, cada vez mais ganha espaço também no panteão dos produtores cinematográficos. Ele assina e/ou co-assina a criação de alguns dos mais marcantes personagens da cultura popular do século 20. Entre eles, Homem Aranha, Thor, Quarteto Fantástico, Capitão América, X Men e, claro, Homem de Ferro.

O personagem nasceu nos gibis, em 1963, poucos meses após o assassinato de John Kennedy. Naquele momento, ainda era impossível prever que a recém-iniciada Guerra do Vietnã se arrastaria por tantos anos e mataria tanta gente. A “identidade secreta” do Homem de Ferro, ou o rosto por trás da armadura, é o magnata Tony Stark. A versão cinematográfica atualiza a história de Stark, colocando-o como uma vítima de sua própria monstruosidade. No filme, a fortuna construída por seu falecido pai nasceu do desenvolvimento e comercialização dos mais portentosos armamentos já criados pelo homem, em variadas épocas. Incluindo a bomba atômica. O filho Tony só fez aumentar o patrimônio familiar, e hoje colhe os frutos do poderio de uma inabalável indústria bélica que ele próprio ajudou a desenvolver. Até o momento em que, durante uma ação de marketing que empreende no Afeganistão, Tony é seqüestrado por um grupo rebelde radical (clara menção à Al Qaeda), e posto em cativeiro. Para fugir dos seus algozes, o gênio da armas constrói para si próprio uma resistente armadura, que se transformará, várias melhorias depois, na poderosa carcaça do Homem de Ferro.

Assim, o filme tem forte potencial para agradar a diversos tipos de público. Para quem aprecia uma leitura mais política, é claro o paralelo traçado entre o personagem Tony Stark com a própria armadilha que os EUA se meteram ao armar Bin Laden contra os russos invasores do Afeganistão, nos anos 80. Todos sabem que tudo – e mais um pouco – que Bin Laden comprou dos norte-americanos durante a resistência contra o Afeganistão voltou – com juros e correção – contra os próprios vendedores, em 11 de setembro de 2001. Da mesma forma, os primeiros momentos do filme mostram como Stark se transforma em alvo vivo das próprias armas que vendeu, no melhor estilo “o feitiço contra o feiticeiro”.
Ainda na linha política, percebe-se no filme que os grandes vilões são sempre aqueles que fazem de tudo para que as guerras jamais terminem, assim como já foi exemplificado no ótimo “O Senhor da Armas”, com Nicholas Cage.

Já para quem não liga a mínima para a política, nem para a história do nosso tempo, “Homem de Ferro” também é diversão garantida. O roteiro opta pela saudável opção de não levar a trama muito a sério, mesmo porque não existe nada mais enfadonho que filme de Super Herói que se leva a sério. Robert Downey Jr. (de “Chaplin”), recupera-se de seu entra-e-sai de prisões e condicionais motivadas pelas drogas e encarna um divertido Tony Stark. Mulherengo, cabotino, pilantra, de língua afiada, bilionário, enfim, um irresistível bad boy. Um terreno fértil para diálogos espirituosos e situações de boa comicidade.
O ritmo de ação e os efeitos especiais – se não são perfeitos – são dos mais satisfatórios. Claro que, como sempre, as cenas mais difíceis são realizadas à noite, para facilitar a vida dos técnicos em efeitos visuais, e a música insistente ajuda a maquiar eventuais “barrigas” de roteiro. Mas a perfeição é uma meta.

Para não ser acusado de “filme de menino”, “Homem de Ferro” abre um bom espaço para o desenvolvimento da personagem feminina Pepper (Gwyneth Paltrow), a eterna e dedicada secretária, assistente, faz-tudo e objeto platônico do desejo do herói. A relação/não-relação entre ambos rende uma das boas sub-tramas do filme.

Méritos para o diretor Jon Favreau (o mesmo do agradável “Zathura”), que teve habilidade suficiente para equilibrar todas as facetas que o filme busca, da aventura ao romance, da comédia à crítica, sem abandonar a fidelidade ao personagem original. Favreau, aliás, não só dirige o filme como dirige no filme, já que ele faz uma participação como o motorista de Stark.

Mesmo para quem nunca acompanhou o personagem nos gibis, ou numa série de desenhos de animação capenga que eram exibidos antigamente na televisão, “Homem de Ferro” diverte e entretém, já que não é necessário nenhum conhecimento prévio para acompanhar o filme.
Filme-pipoca, sim. Mas com bastante sal e manteiga.