GOYA 2017: NA FESTA ESPANHOLA, O DESTAQUE É ARGENTINO.
Por Celso Sabadin.
Foram divulgados esta semana os vencedores do 31º prêmio Goya, a maior láurea do cinema espanhol ou, como prefere o lugar-comum, o “Oscar da Espanha”. O grande vencedor foi “Sete Minutos Depois da Meia-Noite”, bela fantasia, juvenil pero no mucho, que levou 9 estatuetas das 12 a que concorreu. O filme estreou no Brasil na primeira semana deste ano.
Curiosamente, porém, apesar de ter vencido na maior parte das categorias, “Sete Minutos Depois da Meia-Noite” não saiu da festa com o prêmio máximo de melhor filme, que ficou com “ Tarde para la Ira”, primeira direção de Raúl Arévalo, mais conhecido em seu país como ator. O filme levou também os prêmios de direção de estreante, melhor ator coadjuvante (Manolo Solo) e roteiro original.
Destaque também para “El Hombre de las Mil Caras”, de Alberto Rodruguez, vencedor dos Goyas de roteiro adaptado e ator revelação para Carlos Santos.
“Sete Minutos Depois da Meia Noite”, “Tarde para la Ira” e “El Hombre de las mil Caras”, os filmes mais premiados do Goya 2017, têm uma grande e marcante característica em comum: todos os três se assemelham a produções norte-americanas. “Sete Minutos Depois da Meia Noite”, que inclusive é uma coprodução Espanha/EUA, é praticamente o filme que Spielberg gostaria de ter feito no lugar de “O Bom Gigante Amigo”, mas não conseguiu. Elenco internacional, efeitos especiais de primeiríssima categoria, e uma linha narrativa que em tudo mimetiza as já conhecidas aventuras edificantes e fantásticas para o público juvenil, fazem do filme um ótimo produto para exportação, eficiente, mas sem nenhum traço que remeta ao seu país de origem. Não por acaso, é dirigido por J.A. Bayona, o mesmo de “O Impossível’, outro filme espanhol que todo mundo jura que é norte-americano.
“El Hombre de las mil Caras”, ainda que tenha roteiro baseado num escândalo político real acontecido na Espanha, tem toda a sua estética cinematográfica baseada nos grandes filmes de espionagem internacional, um pouco James Bond, um pouco Identidade Bourne (mas sem muita ação, é verdade), com belas locações fotografadas com esmero turístico e direção de arte de encher os olhos.
E “Tarde para la Ira” traz uma intrigante história de arrependimento e vingança desenvolvida nos rastros trágicos de um assalto frustrado. Com direitos a viradas de roteiro e final bem resolvido. Mas nada que traga realmente um grande diferencial em relação a outros dramas de fundo policial.
Em meio a estas três produções claramente criadas e produzidas para o mercado internacional, interessantes, sim, mas todas desenvolvidas dentro dos famosos – e muitas vezes desgastados – cânones do cinema norte-americano, desponta (mais um) notável filme argentino: “El ciudadano ilustre” (foto), vencedor do Goya de Melhor Filme Iberoamericano. Na verdade, é uma coprodução hispano-argentino. Este, sim, transborda a inconfundível verve latinoamericana, questiona, provoca, incomoda e exala boas doses deste nosso típico sarcasmo inquisidor. A história – fictícia – imagina um certo Daniel Mantovani (Oscar Martinez, ótimo), que após receber o Nobel de literatura vê sua carreira terminar. Motivo: se um escritor foi aceito e premiado pelos padrões tradicionais de uma academia, é porque ele não tem mais talento para provocar. E o artista que não provoca não pode ser artista. Abatido, decide então retornar às origens e vai visitar sua pequena cidade natal, no interior da Argentina, que deixou há 40 anos para não mais voltar. O retorno é um agridoce misto de humor e tensão. As situações são tragicômicas, e as críticas à hipocrisia são ferinas e ferozes.
“El ciudadano ilustre” tem direção de Gastón Duprat e Mariano Cohn, com roteiro de Andrés Duprat, a mesma dupla que dirigiu o também ótimo “O Homem ao Lado”, exibido por aqui. Se o filme chegar aos cinemas brasileiros, o que até o momento não está garantido, não deixe de ver. “El ciudadano ilustre” pode ser considerado como o argentino que roubou a festa dos espanhóis na entrega do Goya 2017. É a vingança dos colonizados.