ESTREIAM “ENTRELINHAS” E “FAVELA DO PAPA”. PORQUE A LUTA CONTRA A DITADURA NÃO ACABOU.

Por Celso Sabadin 

Estrearam nos cinemas nesta última quinta-feira, 22/08, dois longas que – cada qual à sua maneira – nos contam histórias de resistência contra a ditadura brasileira de 1964: a ficção paranaense “Entrelinhas“ e o documentário carioca “Favela do Papa”.

Talvez até por uma questão de costume, nos habituamos a chamar o período iniciado em 1º de abril de 1964 como “ditadura militar de 64”, o que acaba minimizando a questão. Em primeiro lugar, porque não se tratou de uma ditadura exclusivamente militar: ela foi apoiada e sustentada por boa parte da população civil e por influentes políticos igualmente não fardados.

Em segundo lugar, porque passa a impressão que a ditadura aconteceu somente em 1964, quando na verdade ela perdurou por mais 21 anos. E, pior: ela continua nos ameaçando com toda a sua força, principalmente depois que as eleições de 2018 provaram que a barbárie não havia sido derrotada, mas estava apenas ligeiramente adormecida.

Neste sentido, o lançamento de filmes que ajudem a mapear tais crimes, e que mantenham acesa a chama da eterna vigilância que devemos manter sobre o tema são sempre bem vindos.

“Entrelinhas” se inspira na história verdadeira de Ana Beatriz Franco Fortes (interpretada por Gabriela Freire) estudante que aos 17 anos foi autoritariamente presa pela ditadura em plena sala de reuniões da empresa estatal que estava prestes a contratá-la como estagiária.

Tem início assim o martírio dos pais que passam pela costumeira via crucis de desmandos e desinformações à procura do paradeiro de uma filha que – na sempre mentirosa versão oficial do poder – sequer havia sido detida.  O longa traz pontos em comum com o igualmente necessário “O Mensageiro”, estreado semana passada.

Com roteiro de Rafael Monteiro, Tiago Lipka, Sebastian S Claro e do próprio diretor, Guto Pasko, “Entrelinhas” tem ainda como destaques a convincente reconstituição de época e a ótima fotografia de Alziro Barbosa. Completam o elenco Leandro Daniel, Daniel Chagas, Eduardo Borelli, Mauro Zanatta, Renet Lyon, Patrícia Saravy e Laís Cristina.

Quem dirige

Guto Pasko é sócio fundador em 2001 da produtora GP7 Cinema de Curitiba, através da qual produziu 64 obras audiovisuais e dirigiu mais de 30 obras, tendo como destaque a Direção Geral da série de ficção “Contracapa” (TV Brasil / Canal AXN / Prime Vídeo) e o longa-metragem documental “Iván” (History Channel / Prime Video). em 2022 entrou em cartaz nos cinemas o longa documental “Aldeia Natal” sobre sua ancestralidade ucraniana. Embora tenha dirigido muita ficção para televisão, Pasko considera “Entrelinhas” sua estreia na direção de longa-metragem de ficção. “Relicário”, em fase de pós-produção, será seu 2º. Longa-metragem de ficção.

 

Favela do Papa

Já “Favela do Papa” documenta um outro tipo de resistência contra os desmandos da ditadura: a luta pelo direito à moradia.

“Favela do Papa” aborda o movimento empreendido pelos moradores da Favela do Vidigal contra uma autoritária ordem de remoção, na década de 70. Mesmo com a brutalidade do poder federal em plena atividade, a organização popular fez com que a atenção da mídia e da população brasileira recaísse para a comunidade do Vidigal, que estava marcada para ser varrida do mapa para abrir espaço à especulação imobiliária.

Apoiado por vasto material de arquivo, o filme mostra como se deu esse apoio na defesa da permanência dos moradores em seu território, e destaca o engajamento da Igreja católica, de juristas, e do cineasta e compositor Sérgio Ricardo. Todo o processo acabou sendo coroado com a midiática visita  do Papa João Paulo II, em 1980.

Selecionado para o Festival É Tudo Verdade e para a  Mostra Ecofalante, “Favela do Papa” tem direção, produção e roteiro de Marco Antonio Pereira. Destaque também para a vibrante montagem de Victor Magrath e Alessio Slossel.

O lançamento nas salas do Rio de Janeiro aconteceu no dia 22 de agosto, e depois o filme seguirá para outras capitais.

Quem dirige

Com formação em arte-educação e cultura, Marco Antônio Pereira iniciou sua carreira profissional na indústria criativa no setor de entretenimento e festas. Seu contato com o audiovisual se deu através da publicidade como diretor de comerciais para TV. Motivado em desvendar lugares e pessoas em seus processos de transformação em seus territórios e com olhar sobre os direitos humanos, fundou a empresa Urbano Filmes em 2012. A partir daí produziu e dirigiu quatro longas-metragens documentais, com passagens por festivais nacionais e internacionais, além de exibições na TV: “Paisagem carioca – vista do Morro” (2013), “No caminho das pedras” (2019), “Uruguai – na vanguarda” (2019) e “Favela do Papa” (2023).