“ZÉ” REVISITA A DITADURA.

 

Por Celso Sabadin.

Talvez seja, talvez não seja uma consequência do processo de desinfecção política que o país vem passando desde 2023, mas a verdade é que nas últimas semanas estamos vivenciando uma nova safra de filmes brasileiros que recordam e registram para as novas gerações os horrores da ditadura de 1964-1985.

Depois de “O Mensageiro”, “Entrelinhas” e – com outro viés –  “Favela do Papa”, entra agora em cartaz em nossos cinemas o drama “Zé”, inspirado na trajetória real de José Carlos Novaes da Mata Machado (vivido por Caio Horowicz).

Militante antiditadura que optou pela clandestinidade, o protagonista foi um jovem líder do movimento estudantil, incessantemente perseguido pelo regime, que tentou conciliar sua vida pessoal com a luta política, sofrendo duramente as consequências do terror de seu tempo.

O ponto de partida do filme foi o livro ”Zé”, escrito por Samarone Lima, escritor cearense que investigou a vida do militante em arquivos da repressão, entrevistas com militantes contra a ditadura, familiares e amigos. Nascido em março de 1946 e assassinado em outubro de 1973, o personagem-título do longa participou também da Ação Popular Marxista-Leninista (APML).

A transposição da linguagem escrita para a cinematográfica, porém, não se mostrou das mais eficientes. O filme constrói sua narrativa quase que totalmente sobre extensos diálogos, priorizando a verbalização excessiva sobre a estética imagética que se espera de um audiovisual.

Resta, sim, o importante registro/denúncia da época, que jamais deve ser esquecido.

O diretor e corroteirista mineiro Rafael Conde, que participou do movimento de cineclubes e do movimento estudantil na época da abertura política dos anos 80, teve o primeiro contato com a história de “Zé” através de amigos, e se interessou pelo tema devido à sua vivência como professor e ao contato constante com a inquietação estudantil. Há 20 anos, Conde foi apresentado ao livro de Samarone Lima e, desde então, empenhou-se em dezenas de versões do roteiro, juntamente com Anna Flávia Dias. Sobre este primeiro contato com a obra, o cineasta diz que “o livro me foi apresentado por amigos e dizia sobre uma história conhecida à boca pequena na minha cidade, sempre aos fragmentos, pessoas que conheceram o ZÉ, viveram um caso dessa história, conheciam um parente do ZÉ, ou alguém que viveu uma história como a história do ZÉ – e infelizmente muitos a viveram nesse mesmo período do Brasil, quando eu ainda era criança”.

O longa estreou na última quinta-feira, 29/09, em cinemas de Balneário Camboriú (o pessoal lá deve ficar puto com filmes assim), Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

 

Quem dirigiu

Rafael Conde é graduado em Ciências Econômicas pela UFMG, mestre em Artes/Cinema pela USP e doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO com bolsa sanduíche em Performance Studies na NYU. Cursou o pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP. Dirigiu documentários e programas jornalísticos para a Rede Minas de Televisão. Foi coordenador do Cine Humberto Mauro e Setor de Cinema da Fundação Clóvis Salgado BH/MG. É professor do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes/UFMG. Em teatro codirigiu a peça “A Brincadeira” (2015-2016), para o circuito CCBB, e dirigiu o projeto Experimentos Cênicos com o Grupo Galpão (2019). Publicou artigos e, em 2019, lançou o livro O Ator e a Câmera: Investigações Sobre o Encontro no Jogo do Filme. Como roteirista recebeu o prêmio de Melhor Roteiro da Academia Brasileira de Letras pelo filme Fronteira (2008), em que também é diretor. Entre os filmes destacam-se o longa metragem Samba-Canção (2002); e os curtas Uakti – Oficina Instrumental (1987); Musika (1989); O Ex-Mágico da Taberna Minhota (1996); A Hora Vagabunda (1998); Françoise (2001); Rua da Amargura (2003); A Chuva Nos Telhados Antigos (2006); A Brincadeira (2018); Bili Com Limão Verde na Mão (2015); Berenice e a Fundação da Música (2019). O Suposto Filme (2021) e A Verdade no Olhar do Ator que Mente (2021).