CURTA SANTOS GRITA FORTE CONTRA A MESMICE CULTURAL. TEVE ATÉ COXINHA.

As cerimônias de abertura do Curta Santos sempre foram um capítulo a parte, muito especial, deste evento que está completando 11 anos. Grandiosas, criativas, sempre surpreendentes. Este ano, houve quem pensasse que a retração das verbas de produção do Festival pudesse comprometer o espetáculo. Ledo engano (nunca soube direito quem foi este tal de Ledo, mas tudo bem): como sempre acontece, a noite de ontem (15/10), que abriu o 11o. Curta Santos, também foi mágica.
Não pelas montagens teatrais e produções musicais espetaculares que nos acostumamos a ver, mas principalmente pelo conteúdo: a noite de ontem foi um desabafo, um grito de guerra.

O diretor geral do Festival, Ricardo Vasconcellos, fez um discurso contundente contra a eterna situação de pedinte da produção cultural brasileira: “É muito difícil não saber se o nosso trabalho acontecerá ou não, por questões de verba”. O semblante de Ricardo estava entre o exausto e o irado. Não foi aquele chororô nem aquele mimimi que ouço desde pequeno, dizendo que é difícil fazer cultura no Brasil e blá blá blá. Não. Foi um discurso consciente, de gente grande, de produtor cultural que tem consciência de sua importância e sabe o que quer. Não foram pedidos; foram quase exigências. A cultura não pode ficar eternamente atrelada às atuais políticas de pedir favores, esmolas e pelamordedeuses aos donos das verbas e, consequentemente, donos do poder.

Fazendo coro a Ricardo, o diretor artístico do Curta Santos, Júnior Brassalotti, também em discurso inflamado, destilou o seu tradicional sarcasmo entrando no palco saboreando uma coxinha. Para quem quis ver, uma ácida crítica a uma boa camada da população que adora criticar a torto e a direito, mas que não consegue sair de sua zona de conforto para propor o que quer que seja. “Coxinhas são feitas para serem comidas”, afirmou.
Sem meias palavras, Júnior convocou os produtores culturais santistas a ocuparem vários espaços públicos da cidade que precisam ser ocupados com cultura, criticou leis de incentivo que deixam a produção cultural nas mãos de ignorantes profissionais de marketing, e foi ovacionado quando reclamou do estado de abandono em que se encontra a Cadeia Velha, um dos principais marcos históricos das utopias culturais da baixada.
“O festival se dá com os filmes na tela do cinema, despertando reações nas pessoas. Hoje é apenas o começo, é uma celebração do audiovisual brasileiro. Mas quem vai dar o tom do festival é o público. Queremos tirar as pessoas do estado de inércia, dar uma chacoalhada, tanto em quem tanto em quem faz, como em quem consome essas obras”, disse.

Quem me conhece sabe que eu não costumo abrir espaço em minhas coberturas a dizeres de políticos, geralmente pouco confiáveis. Mas sou obrigado a dar o braço a torcer para as palavras da Deputada Estadual Telma de Souza, na noite de ontem. Chamando a atenção do poder público e dos patrocinadores, ela afirmou que “não se deve aprisionar a criação e a identidade de quem faz cultura”, numa clara referência a eventos e projetos criativos que, após receberem apoios financeiros, tornam-se chapas-brancas.

O Prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, também subiu ao palco e fez um discurso, elogiando o Curta Santos. Pegou bem. E saiu antes do final. Pegou mal.

Ao final de tudo, também rompendo padrões, a direção do Curta Santos se misturou à plateia, portando microfones, querendo ouvir de cada um dos presentes as suais ideias e reivindicações.

Tá provado: se falta verba para encantar através de grandes produções, encanta-se pela força das ideias. Isto é cultura.

(Na foto de Tito Wagner, Caio Blat, o homenageado da noite, ao lado de Júnior Brassalotti).

Celso Sabadin viajou a Santos a convite da organização do evento.