AS MUITAS RESISTÊNCIAS DE “BANEL & ADAMA”  

Por Celso Sabadin. 

Não é à toa que “Banel & Adama” entra em sua terceira semana em cartaz, resistindo até à enxurrada de filmes proporcionada pela Mostra de Cinema de São Paulo: a obra é uma preciosidade de sensibilidade e poesia.  

Trata-se do primeiro longa de Ramata-Toulaye Sy, cineasta francesa de origem senegalesa que, até onde eu pesquisei, não parece ser parente do famoso ator Omar Sy. Rodado no Senegal com atores não profissionais (e espantosamente talentosos), o longa mostra o jovem casal do título (interpretado respectivamente por Khady Mane e Mamadou Diallo) em sua jornada de resistência.  

Mas resistência exatamente contra quê? Um pouco de tudo. Principalmente contra a rigidez dos princípios tradicionais da pequena aldeia onde vivem, cujas obrigações de homens e mulheres são milenarmente regidas pelos seus gêneros. O lugar permanece parado no tempo, e se não fosse por algumas rápidas cenas onde aparecem baldes de plástico e um estilingue de elástico contemporâneo, não seria possível definir se o filme se passa na contemporaneidade ou há séculos. 

Tal resiliência (não consegui escapar desta palavrinha da moda) é exercida principalmente por Banel, sempre incompreendida e combatida por seu protagonismo feminino e feminista.  

Visualmente, tudo remete à aridez. Luzes escaldantes, cores quentes e areia em profusão nos preparam para um epílogo cataclísmico, onde evidentemente não faltarão culpas engedradas por dogmas religiosos.   

Infelizmente, porém, não será desta vez que veremos em nosso circuito exibidor um filme totalmente africano, sem a interferência do cinema colonialista dominante: aqui, a França atua como coprodutora da obra, além de Mali, Catar e, claro, do próprio Senegal, que selecionou “Banel & Adama” como seu representante para o Oscar.  

A boa notícia é que a diretora, além de filha de senegaleses, passou vários anos na nação de seus pais, logo após formar-se em Cinema, em Paris. E ainda fez questão de fazer este seu primeiro longa com elenco e locações senegaleses, e falado nos dialetos locais, o que ela chamou de “ato político”.  

Deu muito certo. O belíssimo filme foi selecionado para vários festivais internacionais, inclusive para a prestigiosíssima Mostra Competitiva de Cannes. Uma estreia mais que promissora.