UM FESTIVAL DE CINEMA NA FLORESTA, ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM.

Cinema onde agora? Na floresta? Já não basta em Gramado, em Brasília, em Paulínia, em Varginha, precisa ter cinema na floresta também? Precisa sim. E precisa muito! Num país sem salas de cinema (só 2.200 para quase 200 milhões de habitantes) e onde a maioria destas poucas telas se concentra nos shoppings centers das cidades maiores, é muito bem-vinda a iniciativa do Festival de Cinema de Alta Floresta. A cidade fica no Mato Grosso, 800 quilômetros ao norte de Cuiabá, na região conhecida como Portal da Amazônia. O evento é carinhosamente chamado de “Cinema na Floresta”. E já está agora em sua quarta edição.

Todas as noites, desde primeiro de setembro, uma boa parte da população de Alta Floresta tem saído de suas casas para ver filmes brasileiros de curta e longas metragens. No confortável Centro Cultural e de Eventos de Alta Floresta, no centro da cidade, são 260 pessoas por sessão. Na Mostra Itinerante que percorre comunidades mais distantes, o número chega a 500 a cada noite. Parece pouco? Não, se considerarmos que o município tem 51 mil habitantes. Pode-se dizer que o Festival mobiliza 1% da população de Alta Floresta, a cada noite. Imagine esta porcentagem numa cidade como Rio ou São Paulo e teremos a verdadeira dimensão da importância deste evento aqui às portas da Amazônia.

E mais: as projeções são tecnicamente brilhantes, entre as melhores dos mais badalados festivais de cinema do Brasil.

Numa das sessões realizadas na Mostra Itinerante, perguntou-se ao público quem já havia entrado num cinema antes, pelo menos uma vez na vida. De um total de aproximadamente 500 pessoas, apenas 15 disseram que sim. Para os demais quatrocentos e tantos espectadores, aquela era uma noite mágica, única e inesquecível: a primeira noite numa projeção cinematográfica. Como diz aquela propaganda de cartão de crédito, não tem preço que pague por isto.

ALTA FLORESTA

Engana-se totalmente quem pensa que Alta Floresta, pelo que seu nome e localização talvez possam sugerir, seja uma cidade similar a alguma aldeia indígena ou coisa parecida. Nada disso! Com largas e arborizadas avenidas, comércio intenso, arquitetura inspirada em Brasília, e bem aparelhada para receber o turista, Alta Floresta foi construída nos anos 70, período em que o regime ditatorial brasileiro vendia a empresas particulares gigantescas porções de terra que deveriam ser colonizadas. Tais empresas – que passaram a ser chamadas de Colonizadoras – se encarregavam então de revender propriedades a colonos, a preços sedutores o suficiente para atrair famílias dispostas a tentar uma vida nova em áreas então inóspitas do país. Era a política do “Integrar para não entregar”.

Num primeiro momento, muitas famílias paranaenses, catarinenses e gaúchas vieram para cá, visando a agricultura. Mas logo nos primeiros anos da empreitada descobriu-se ouro na região, o que atraiu milhares de garimpeiros e aventureiros de diversos cantos do país, transformando a cidade num caldeirão multi-étnico e multicultural. O ouro causou imensas fortunas, enormes desgraças e incontáveis histórias que nos remetem à letra da canção “Faroeste Caboclo”, do Legião Urbana. A cidade chegou a ter 120 mil habitantes, mas a fonte dourada logo secou, abrindo espaço para a exploração (e põe exploração nisso) da madeira. O extrativismo foi feroz. Alguns anos depois, leis e fiscalização mais rígidas conseguiram, pelo menos em parte, inibir a situação, fazendo com que a cidade se voltasse para a pecuária, atividade que desenvolve atualmente, ao mesmo tempo em que busca novas fronteiras agrícolas. Comenta-se por aqui que, depois do ouro, da madeira, da pecuária e da agricultura, o próximo “ciclo” de Alta Floresta será o do deserto, em função do breve, temido e anunciado esgotamento de suas terras.

Mas enquanto o “Lobo Mau” da seca e da devastação não vem, vamos ao cinema! O 4º. Festival de Cinema de Alta Floresta prossegue até o feriado de 7 de setembro, quando serão anunciados os premiados. Seja lá qual for o filme ganhador, quem já saiu ganhando foi o público daqui e a cultura brasileira. Afinal, um evento que todas as noites dá a centenas de pessoas o inesquecível presente de “uma primeira noite no cinema” já pode ser considerado um grande vencedor.

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